segunda-feira, 16 de julho de 2012

Andei lendo: Corações Sujos, de Fernando Morais

Há uns oito ou nove anos - enfim, faz tempo... abafa! - eu estava no trabalho e um amigo falou que tinha acabado de ler um livro sensacional, que eu tinha que ler também; e me emprestou o livro que citei aí no título (ficha técnica no final do post). Com a adaptação para o cinema, ele voltou a ganhar destaque nas livrarias e aproveitei a chance para comprar e reler.

Nos anos 1930 existiam na colônia japonesa diversas associações que congregavam os imigrantes em torno da língua, da cultura e dos valores da pátria à qual muitos sonhavam retornar. Mas, em tempos de guerra, as coisas foram ficando cada vez mais difíceis para os "súditos do Eixo": não podiam falar seus idiomas em público - e muitos não falavam português -, não podiam ter rádio em casa, as associações foram extintas ou caíram na clandestinidade... apesar de muitos dos seus filhos nascidos no Brasil terem combatido pela FEB (um deles, o tenente Massaki Udihara, teve seu diário publicado na forma de livro - que também li há muito tempo), a integração dos japoneses na sociedade brasileira não foi um processo pacífico. A história da Shindo Renmei foi sangrenta e, por muitos anos, um verdadeiro tabu. Mais detalhes na contracapa (clique e amplie):


Vídeo curtinho (2:54) disponível no Youtube: 

Vi em algumas referências a frase: "foi uma guerra de japoneses contra japoneses". Não foi bem assim. Casos vergonhosos de linchamentos, debates racistas no Congresso, prisões arbitrárias... os gaijin também tiveram participação, e muitas vezes desastrosa. Alianças políticas improváveis (como entre Ademar de Barros e os comunistas) e a falta de visão do poder público, que continuava proibindo rádio e correio mesmo após o fim da guerra (o que deixava a colônia mais dependente da Shindo Renmei como fonte de informação) completavam o quadro.

Para piorar, surgiram na colônia vários espertalhões que vendiam terrenos em regiões "conquistadas" pelo Império Japonês. Vi alguns comentários sobre isso num blog desativado (por isso não vou relacioná-lo aqui); o enriquecimento repentino de algumas famílias na colônia também é um assunto difícil nessa história toda. 

É interessante a progressão dos acontecimentos: as primeiras mortes parecem fatos isolados, coisa "entre eles". A coisa vai num crescente de violência, mas sempre com um método: pichações nas casas das futuras vítimas, bilhetes ameaçadores e ações de emboscada. Não interessa matar os familiares: as mortes têm endereço certo. Só que, passados alguns meses e depois de muitas prisões, a coisa muda de figura: incêndios, bombas... as ações vão deixando de ser tão seletivas assim. Os motivos estão bem explicados no livro.

Confesso que, antes do livro do Fernando Morais, nunca tinha ouvido falar na Shindo Renmei. Para quem quiser saber mais, vale a pena conferir a lista de referências no final do livro. A versão que ele apresenta não é unanimidade. Aqui aparece, aos 3:23, Jorge Okubaro - autor de um outro livro chamado O Súdito. Este outro link mostra uma entrevista com a filha de um dos participantes da Shindo Renmei questionando algumas coisas do livro.

Fernando Morais cita muitos nomes e a história é contada em ordem não exatamente cronológica - digo, tem alguns flashbacks. Mesmo assim, não achei confuso. Quando algum personagem é citado muitas páginas depois, o papel dele é relembrado - ajudando o leitor a se situar. 

Já a adaptação para o cinema, de Vicente Amorim, teve a estreia adiada várias vezes. Em agosto nos cinemas brasileiros, será? Foi o trailer desse filme que passou antes da sessão de Xingu e desde então estou curiosa para conferir.

Ficha técnica:
Morais, Fernando : Corações Sujos / Fernando Morais - 3ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2011, 349p. ISBN 978-85-359-1937-0 

Edit (19/09/2012): Assisti o filme há umas 2-3 semanas. Como acho que o ideal é escrever sobre filmes no mesmo dia em que os assisto e eu tinha deixado passar muito tempo, acabei desistindo de comentar aqui; mas vejo que o assunto tem despertado muita curiosidade (muita gente chega aqui pelo Google), então vou falar o que achei.

Existem "n" sinopses na internet sobre a produção que mostra a transformação de um pacato fotógrafo num homicida super violento e como isso afeta a relação dele com a esposa, uma  professora primária que é a narradora da trama. Por sinal falaram muito da violência. Sinceramente? Acho algumas cenas do noticiário muito mais agressivas. Quando Takahashi (o personagem principal) vai golpear alguém com a espada, é ele que aparece em primeiro plano. As tomadas terminam amenizando um pouco a coisa; mas tem cenas com sangue, sim.

Se eu gostei do filme? Gostei. Foi melhor do que eu esperava.

É fiel ao livro? Não. O próprio diretor declarou que fez algumas licenças e mudou o foco narrativo, criou uma história de amor e tal.

O livro tem muitos personagens e nem todos rendem uma história. Agora mesmo me lembrei do filme "Carandiru": parecia que os realizadores estavam tão ansiosos para contar todas as histórias do livro que o resultado (minha opinião!) acabou ficando muito confuso e carregado. Algumas não cabiam no roteiro e o jeito era serem narradas pelos próprios presos.

Já o filme "Corações Sujos" não teve esse problema. Muita coisa é explicada pelos silêncios e olhares dos personagens. Os atores realmente são ótimos. Vale a pena para quem quer se emocionar com um bom filme. Não vale muito a pena se você quer entender a história do conflito: algumas coisas ficaram meio confusas. Por exemplo (meio-spoiler): no livro, existe um coronel do Exército japonês que é o mentor intelectual da Shindo Renmei. Minha impressão é que ele agia por convicção, fanatismo, sei lá. No livro, existe um coronel que entrega a missão ao Takahashi, mas ele também se aproveita economicamente da desinformação na colôna, comprando terras dos que querem voltar ao Japão vitorioso. Para não criar um personagem espertalhão comprador de terras (falei deles no início do post), o diretor o incorporou à figura do coronel. Outra coisa: o Takahashi tem dúvidas, conflitos de consciência... mas no instante seguinte ele parece totalmente manipulado pelo coronel. Às vezes essa mudança brusca deixa o personagem meio incoerente. Mas nós humanos não somos 100% coerentes, então até aí... vá lá.

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